domingo, 26 de julho de 2009

Vítimas do sapato


Já faz uns 15 anos que não moro mais em Novo Hamburgo. Quando eu era criança, a cidade ainda era um lugar onde as pessoas trabalhavam durante o dia nas fábricas de sapatos, e a noite iam dormir cedo para descançar, e no dia seguinte começar tudo de novo. Lembro que no auge das indústrias, chegavam ônibus cheios de gente que vendiam tudo em suas cidades e vinham em busca do emprego fácil e mal remunerado. As indústrias não exigiam especialização, pois o povo simplismente executava uma pequena parte do trabalho dentro de uma linha de produção onde em uma esteira de um lado entrava um pedaço de couro e uma forma, e de outro saia um sapato pronto e encaixotado. Nínguém sabia muito como aquilo acontecia. Todos ganhavam mal, e a música "Vida de Gado", do Zé Ramalho, caia como uma luva para aquela gente. Eu mesmo quando fiz 12 anos encaminhei minha carteira profissional, larguei os estudo e fui trabalhar dentro de um industria, passando cola em sapato. Entrando às 7 h da manhã, saindo as 18h, ganhando salário mínimo, sem insalubridade e lembram bem, eu tinha apenas 12 anos. A cidade foi crescendo e as favelas na volta dela também. Os sindicatos começaram a exigir direitos que até então eram ignorados pelos patrãoes, que achavam que estavam fazendo um favor em dar emprego para aquele retirantes miseráveis. Quando os trabalhadores começaram a se organizar e a mão de obra começou a ficar cara, os patrões pegaram suas máquinas, seus gerentes que realmente conheciam o trabalho todo, e se mandaram primeiro para o nordeste, depois para a China.


E sabe o que aconteceu com aquela gente toda??? Desemprego em massa.

E sabe o que tu faz quando tenta, tenta, não consegue um emprego, chega em casa, olha para os filhos com cara de fome?!? Rouba para dar comida para os filhos.

Primeiro é para dar comida para os filhos, depois é para comprar cachaça para esquecer das tristezas. Depois vem a maconha, a cocaína. E hoje tem a pedra da morte. E quando ela chega em um local que vem sofrendo há décadas com o desemprego, quando este desemprego passou de pai pra filho, o tal Crack passa a ser muito mais letal.

Estive em Novo Hamburgo esta semana para ver meus pais e meus irmãos, e sabe o que eu encontrei? Uma cidade com medo da violência. Meus pais, um casal que sempre levou uma vida rodeado pela família e pelos amigos, hoje estão rodeados pelo medo, trancados dentro de casa, chaveando as portas para tomar um mate na beira de um fogão a lenha. E os bandidos soberanos nas ruas. Apavorando tudo e todos, até porque ser bandido passou a ser uma profissão, eles não conheceram o tal trabalho com salários que seus pais e seus avós vieram buscar no início da década de 80.


E andando de carro por uma rua do Bairro Liberdade ,em Novo Hamburgo, vi o maior exemplo de que, a que ponto chegamos!

Vi uma pequena aglomeração em frente a uma casa onde uma senhora falava alto, parei e perguntei o que estava acontecendo.

Dona Cláudia me disse: - Moço, esta noite encostaram vários charreteiros em frente a esta casa que estava para alugar, aqui do lado da minha casa. Eles roubaram as paredes, as janelas e as portas, e me disseram que viriam buscar o resto. Quando liguei para a polícia, eles me perguntaram se a casa era minha. E e eu disse que não.

Então ele me falou: - Se o dono da casa não tá reclamando, o que a senhora que reclamar ?! Deixa roubar tudo moça!


Na realidade todo na cidade de Novo Hamburgo é vítima do sonho do SAPATO!

Um comentário:

  1. É verdade, eu que saio todos os dias atrás da notícia em Novo Hamburgo sei que cada linha que escreveste tem veraciadade.
    Abraços

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